16 setembro 2016

Ela (Abstnência) IV

Voltar pra minha casa naquela noite foi um dos piores momentos da minha vida. Saber que ela não viria correndo ao meu encontro foi realmente terrível. Já havia tido algumas frustrações, desentendimentos, fim de relacionamentos e embora alguns tenham me abalado, nenhum me desestruturou como desta vez. Os pronomes possessivos até alguns dias atrás, eram os meus favoritos. Mas hoje em especial, isso ao invés de me proporcionar prazer estava me deixando mal.

Minha casa, meu sofá, minha cozinha, meu banheiro, minha cama, minha escova de dente. (Maldita hora que fui escovar os dentes) Caralho... Foi justamente quando fui ao lavatório que a coisa ficou seria. Me dei conta de que a escova estava seca. Lembrei-me da nossa primeira conversa mais intima. Ela me fez prometer (embora odiasse promessas) que em nossa casa só haveria uma escova de dente. Eu obviamente concordei, porque a teoria dela sobre “um casal ter escova individual” foi totalmente convincente (e vou te contar uma coisa cara... ela era aquele tipo raro que te fazia comprar limões secos, fazendo acreditar na promessa de que eles dariam a melhor laranjada que você já tomou na vida). Eu estava com a pasta na mão, mas eu não consegui deposita-la na cerda. Me encarando no espelho e racionalmente me vendo como um completo idiota, me peguei degustando a escova. Qualquer pessoa em seu estado normal agiria de duas formas, escovaria o dente ou jogaria a porra da escova de dente no lixo. Mas aquela história de que “a convivência passa costumes e manias” de fato era verídica. Eu havia me contagiado das maluquices dela. Entre tantos TOC’s e compulsões eu tomei pra mim, também algumas de suas bizarrices. (Eu separava as balas azuis das demais, fumava em todo canto da casa, até tomei um porre numa festa uma vez em uma das nossas brigas, coisa que há muito eu não fazia. Comecei a me ver de forma diferente, talvez de tanto ela me dizer como me via, meio que me convenci de que era “tudo aquilo que ela dizia”) Não sei precisar por quanto tempo “beijei” a maldita escova. Recobrando parte de minha lucidez, fiz as demais coisas que tinha a fazer (tudo no modo automático) e me deitei.

Meu celular calculadamente ficava num ponto exato na cama (somente naquele ponto cego havia sinal e eu precisava de sinal) tanto quanto precisava dela. Mas não podia interromper o tempo, embora quisesse muito. Então a rotina começou estranhamente diferente depois de ter confortavelmente me adaptado ao acaso e imprevisto que era (con)viver com ela. Me arrastei feito um zumbi por exatos quatro dias. Trabalho, casa, família, cotidiano. Tudo feito metodicamente até chegar às pausas em que eu deveria estar com ela. E puta que pariu, ai é que fodia tudo, porque nesses “espaços de tempo” literalmente ele parecia não passar. Poderia ser uma hora e meia do almoço ou mesmo os quinze minutos de pausa pro café, porra... Não passava. E eram nesses momentos que a minha cabeça metralhava uma caralhada de coisas. Voltava ao ponto antes dela onde eu tinha controle sobre tudo, no tempo com ela onde não tínhamos domínio sobre nada, e nesse agora onde nada era de fato, porra nenhuma. Eu ensaiava discursos, estudava as respostas das perguntas que sei que ela não fez por estar profundamente magoada mas que deveria ter feito por ser curiosa, eu digitava as mensagens e não enviava, ficava um tempão encarando o numero dela na agenda e me segurando pra não ligar. Fui seguindo, desesperado por noticias e por saber o que do outro lado acontecia. Nada.

Eu sabia dos seus compromissos, dividíamos tudo e algo que era crucial na nossa falta de controle era o controle de nossas agendas. Isso era imprescindível pra que pudéssemos nos aproveitar o máximo possível. Acordei naquele sábado e fiz minhas obrigações. Estava lavando a louça do almoço quando o “bip soou”. Sacudi a cabeça já mentalizando a resposta “não dá!” pra qualquer convite. Fui até a mesa e subitamente todas as minhas “desculpas elaboradas” desapareceram da mente e precisei me sentar. “Me liga agora”. Imediatamente disquei, o coração disparado, dezenas de coisas me passando a mil pela cabeça. Mas respirei fundo porque eu sabia que precisava naquele momento “apenas ouvir”. Foi vinte vezes pior do que no dia em que ela me ligou pela primeira vez. Afinal, esta ligação poderia ser a ultima.

- Oi
* Porque fez isso?
- Eu não sei.
* Não sabe?
(silêncio)
- Onde você esta?
* No salão, hoje tenho um aniversário
- Eu sei.
(silêncio)


A ligação foi interrompida e não consegui retornar. Tentei umas três vezes, mas não consegui, caia direto na caixa. Caralho de desespero. Claro que por estar fora poderia ter acontecido mil coisas, e também estava no salão, o cabeleireiro deve tê-la chamado ou a manicure ou sei lá. Não tentei mais, mas o resto do meu dia foi uma merda. E sei que o dela seria também. Aqueles poucos minutos, as pausas longas que disseram tanta coisa sem serem ditas. Imaginá-la do outro lado da linha, abatida, estraçalhada e lutando pra se recompor foi o que de fato me esmagou. E lá vieram os pensamentos assombrosos e os fantasmas de outrora. Os deixei arrastar as correntes, nada poderia remediar o que aconteceu. Embora eu soubesse que muito poderia ser feito pra recomeçar. Mas tantas outras coisas me impediram de continuar a tentar. Outra vez o tempo começou a passar e a única coisa que me dava acesso direto a ela, eram os (poucos) amigos em comum e os lugares que eu sabia que ela gostava de frequentar.

E depois da longa jornada que percorri até ela, eu voltei ao ponto de partida. É claro que desta vez seria mais complicado. Eu não queria me esconder, mas recuei ao anonimato. Passei a observá-la (mais) de longe. A colher informações e focar no que diretamente estava vendo. Muitas vezes surtei, quis socar paredes e portas, emergiam a raiva, o ciúmes e aquela postura dela de "estou bem" era o que acabava comigo. Filha duma puta, eu sabia que ela estava como eu, mas o mulher do caralho, quando queria esconder o que sentia, o fazia com maestria e se não a conhecesse tão bem, certamente acreditaria. Alguns meses se passaram, e casualmente nos falamos por algumas vezes. Num impulso liguei mas não deixei que ela atendesse, enviei uma mensagem, ela “simpaticamente” respondeu e disse que não teria problema e atenderia mesmo com a casa cheia. Eu no tira-teima liguei outra vez e ela realmente atendeu. Ela poderia não ter equilíbrio, não ser estável, mas uma coisa que ela tinha na mesma proporção da sua falta de controle, era a palavra. Realmente ela estava com visitas e trocamos poucas palavras enquanto eu estava atento às vozes que a cercava. Mais alguns minutos ouvindo-a sem poder dizer tudo que eu queria. Ela precisou desligar, mas eu continuei ali, ligado nela na verdade eu não conseguia me desconectar dessa mulher. Foi a ultima vez que a ouvi. Embora ela tenha tentado descontrair por estar com o pessoal eu a conhecia, seu tom era divertido, ela fez algumas piadas com o pessoal, deu risada (e que saudade daquele riso), mas o tom lá no fundo, ainda era dolorido. Quis ligar outras vezes, mas analisando friamente o timbre daquela ultima ligação, achei melhor me afastar.

Embora tenha decidido ficar longe (considerando a vontade dela) ir ao seu encontro era inevitável, eu poderia estar fazendo qualquer coisa, até estar distraído, mas sempre alguma coisa me levava até ela, uma música nossa, uma música cafona dessas que nós mesmos tirávamos sarro, uma cena de filme, um trecho lido, uma propaganda.  Uma jujuba, um cheiro de café, o suor escorrendo na garrafa gelada de coca cola. A solidão e o vazio. Até isso me remetia a ela. Maldita Mulher. Dona de tudo que eu não sabia que tinha condutora de todos os sentidos que eu havia esquecido que era capaz de sentir. Bela (feia) adormecida que fez despertar as minhas emoções mais intensas. Bruxa do meu conto de fadas não escrito. Eu precisava fazer alguma coisa, precisava trazê-la de volta, então comecei a deixar recados por ai, espalhei por cantos que sabia que ela passaria, bilhetes, cartas, até cantei. Aprendi isso com ela... "quando as palavras faltam ou quando não consigo expressar exatamente o que sinto, eu canto." Espero que dê certo, espero que eu consiga alcança-la e que ela venha acabar com essa fome excessiva, com as minhas noites insones, com essa maldita náusea e tremedeira e que de uma vez por todas, de rumo a minha desorientação emocional. Por que eu não estou mais sabendo lidar com essa abstinência.
                                                                      Por. Bell.B

9 comentários:

  1. Várias coisas, vai ser um comentário imenso, vamos lá...

    "... eu digitava as mensagens e não enviava, ficava um tempão encarando o numero dela na agenda e me segurando pra não ligar..." foi numa dessas que deletei teu número da agenda, "precisava" disso pra aceitar o *revira os olhos pensando numa palavra* romper.

    A coisa de querer ir atrás, de sair correndo é foda. Mas, "personagem", resista. Você consegue.

    Uma playlist imensa surgiu enquanto lia, vou citar algumas:

    O conto no geral:
    Engenheiros - Nunca mais.

    Não vou saber precisar os trechos, mas as músicas são:
    Jorge Vercilo - Ela Une Todas As Coisas
    Skank - Resposta
    Titãs - Cegos do Castelo
    Nove de Espadas - Entre Cafés e Cigarros
    Nenhum de Nós - Inicio Fim (*)
    Nenhum de Nós - Último Beijo

    * = Essa eu ouvi quando deletei teu número rs

    Sabe, não vou lavar roupa suja aqui (até porque a máquina de lavar é de 12kg, então demora pra encher), mas precisei desse tempo longe pra aprender. Foi algo importante pra mim e, não, não vou pedir pra voltar porque é como diz numa das músicas que citei ali (Resposta, do Skank) "em paz eu digo que eu sou, o antigo do que vai adiante, sem mais eu fico onde estou, prefiro continuar distante" (a propósito: essa música o Nando Reis escreveu pra Marisa Monte quando eles separaram)... mas sacumé né? Acabou o período "sabático" e eu voltei, mas naquelas, como se ficassemos um tempo em um ônibus, depois desce um, o outro, na volta do trabalho o mesmo ritual... essa proximidade distante... acho que entende né, Bê?

    E eu acho que escrevi pra caralho. Falar nisso (não o caralho em si) não se censure quanto aos palavrões, meus escritos tão qualhados deles e tô nem aí haha

    Chega. Vou voltar pro(s) meu(s) trabalho(s) de facúldade. Até a parte V (eu juro que acho que essa história vai acabar em 8 partes, mas eu só acho, não sei porque)

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    1. Parece alguém que eu conheço (falando de mim mesma ¬¬). Quando dá pra falar, caralho...

      I. Eu sei que deletou, seria mesmo a unica forma de não vir resmungar ou mesmo me procurar. Acho que muito provavelmente fizemos isso juntos.

      II. Os personagens refletem nada mais nada menos o que queremos, sentimos, desejamos. Seja floreado ou não. Há neles algo de quem os descreve que jamais será tão franco e sincero que se fosse vivido por nós "escritores" (a louca já se intitulando literária ¬¬) jamais aconteceria.

      III. Playlist perfeita, atrevo-me a apostar que de todas até hoje, essa virou também a minha. * Quando o sentimento é sincero, o fim é apenas uma forma pra recomeçar *

      IV. Todos nós precisamos de tempo. De um momento onde nos reencontramos e compreendemos que muitas das piores coisas que vivemos, foram essenciais pra sermos melhores. Quando a voltar, eu tenho uma perspectiva e acredito que já falamos sobre. Voltar pra mim, é ilusão, estamos sempre, sempre indo.

      Entendo sim, acho que tanto eu quanto você, nunca fomos pessoas normais e por isso sempre faiscamos tanto. Como aquele velho ditado "dois bicudos não se beijam". Acho que contudo e por tudo que já passamos e fomos um para o outro, o que somos hoje nunca deixará de ter aquela essência do que um dia foi. Quanto a falar, bom, quantas vezes nossos comentários não "quase" viraram novos posts rs. Faz parte. Temos mentes barulhentas demais, e silencia-las poderia causar-nos uma aneurisma. Então continue com as cronicas, eu dou seguimento as minhas sagas e desta forma, continuamos "menos pesados".

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  2. Caracas, agora eu fico doida na saga e nos comentários. Eu não sei se o que vou perguntar procede, mas o cara existe e esta comentando aqui também? Mulher, eu adoro esse lugar, eu fico lendo e me vendo em algumas das situações, eita coisa de maluco. Adoro adoro adoro. O rapaz ai em cima disse que aposta no fim quando chegar ao capitulo 8, eu espero que não acabe huahauhauhau.

    A proposito, meu nome é Carolina. :)

    E caso eu esteja certa, a pergunta vai pra ele. Diga, esta conseguindo lidar com isso?

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    1. Prazer, Carolina, meu nome é Luis (o cara que comentou aí em cima)... calma lá e vamos por partes.

      Minha ruptura com Ela se deu tem o que... um pouco menos de um ano acho eu. A principio eu fiquei chateado, mas C'est La Vie. Agora estou sobrevivendo.

      Eu apostei no fim com 8 capitulos porque conheço muito bem a dona aqui e sei que ela tem pira pelo número 8 e seus significados (e eu, escritor-esponja que sou, absorvi isso dela, minha maior saga ficou com 16 capitulos (2x8) e... enfim)

      Não, esse da saga não sou eu.

      A propósito, aproveitando o ensejo, acessa meu blog lá, apesar de não ter postagens muito frequentes (faculdade e pah, sacumé) tem ao menos um post por mês... visita lá ;)

      cronicasdelu.blogspot.com

      Fim da publicidade, não me bloqueie, Bê haha

      ps.: comento anonimo por preguiça de me logar haha

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    2. Boa noite Carol (tomando liberdade rs) O cara da saga esta sim, acompanhando as postagens e ele comentou sim aqui. Não neste post em questão, mas no anterior. Acredito que ele ira responde-la quando passar por aqui.

      Já o "rapaz" que comentou ai, sobre a quantidade de "capítulos" já se apresentou e nós nos conhecemos há muito, muitoooo tempo. Escrevemos muito juntos. Recomendo que vá dar uma espiadinha nos rabiscos dele, difícil não gostar (sou suspeita pra falar, mas...) confira e venha me contar.

      Eu não esperava que isso tomaria essa proporção, sinceramente venho aqui "desabafar, aliviar, vomitar" as coisas que ficam pesadas demais pra "conversar por ai". Fico feliz que esteja gostando e que fique presa "no meu mundo", confesso a vc que eu não consigo sair daqui também.

      Caso tenha blogger ou tumblr ou sei lá, deixe o link aqui, terei prazer em retribuir a visita. Beijos.

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    3. Eu não tenho. Fico por aqui vagando e lendo e me encontrando nos sentimentos e vivências dos outros. Não tenho essa capacidade de transbordar emoção. Valeu a dica, eu já tinha ido la algumas vezes, te acompanho há um tempão e cai lá pelos links em algumas postagens. Mas vou me aprofundar rs

      Eu reparei que eram distintos kkkk só não tinha certeza. E pode chamar de Carol sim S2

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  3. Bloquear você? (eu ri viu) Costumo fazer umas coisas malucas quando estou puta de raiva, e puta que pariu, quantos bloques já não te dei Prê... Ai ai... Tem coisas que são mais fortes do que as que consideramos ser. Vc bem sabe disso Lorú. Tu teria que fazer algo muito muitoooo ruim pra eu te bloquear aqui, GZUIS.

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  4. Já aqui eu não vou comentar tudo que li (por enquanto) até eu fazer umas contas aqui ;)

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  5. Oi Luís, agora tive noção de quem é. Vc é, já conhecia teu cantinho. Legal pra caramba essa amizade e essa magia de vcs quando escrevem juntos. Eu pairava também. Espero que voltem as crônicas. Também perdia o fôlego. Quando eu crescer quero ser como vcs huahuahua bjs

    Carol

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Obrigada por partilhar comigo, o que você pensa!